Olympia acabou. Os jogos deixam um país-sede emocionalmente abalado para trás. O que vai acontecer com o Brasil depois das Olimpíadas?
Vou me tornar muito impopular por um momento. Os brasileiros realmente me irritaram por duas semanas.
Não, não ‘os’ brasileiros, mas esse público selecionado da classe média brasileira que conheci nas olimpíadas e que foi entrevistado pela televisão. Que mistura de auto-indulgência e maldade, e por um motivo diferente a cada semana!
No início, quase nenhum brasileiro queria saber alguma coisa sobre os jogos. Milhares de pessoas protestaram contra o revezamento da tocha – e isso foi melhor compreendido.
O custo de 11 bilhões de euros pode ser considerado obsceno se os políticos deste país rico não equiparem escolas e hospitais.
Antropólogos especializados na alma do povo brasileiro rapidamente afirmaram que o desinteresse generalizado pelo esporte olímpico também tinha a ver com o fato de o Brasil ter medo de se envergonhar.
Tantos relatórios de avarias e promessas não cumpridas! Apenas prédios e vias de tráfego parcialmente concluídos, uma bela baía de vela, mas completamente imunda, uma ciclovia costeira espetacular recém-construída que acabou sendo uma armadilha mortal e assim por diante.
Muitos brasileiros mergulharam em um pessimismo antecipado: os jogos serão uma vergonha para nós, então vamos ignorar!
Então a catástrofe não se materializou. Os jogos decorreram sem problemas – é assim que o conhecemos de outros grandes eventos no Brasil, mas mal podemos acreditar de antemão.
Uma espécie de regime de ocupação composto por mais de 80.000 policiais e militares, navios de guerra na baía, aviões de reconhecimento no ar e quilômetros de barreiras de tráfego em torno dos eventos esportivos tornaram o grande evento administrável.
Protetores e batalhões de policiais protegeram o público olímpico das guerras de gangues nas favelas: no centro da cidade, moradores de rua foram recolhidos e levados para longe.
Os atletas e seus torcedores nos estádios e em frente às TVs puderam se mover livremente em uma bolha artificial que nada tinha a ver com o resto da cidade. A atenção se voltou dos percalços e queixas – e para o esporte.
Não tratado adequadamente
E os anfitriões brasileiros? Alguns se comportaram como pacientes de manicômio nos estádios. Moro no Brasil há três anos, tenho família aqui e sou fã confesso do Rio de Janeiro e de seus habitantes, os cariocas.
Eu conheço seu irreprimível clima de festa, bem como sua simpática e rechonchuda cultura futebolística; Eu vejo com entusiasmo e, como um alemão mais frio, até com inveja.
Mas por volta das Olimpíadas, eu realmente não reconheci meus queridos anfitriões. Outra coisa misturada com o clima, havia inimigos completamente não olímpicos nas arquibancadas. Algo, com todo o respeito, não foi tratado adequadamente.
Jornais e portais esportivos brasileiros informavam todas as manhãs aonde ir hoje e “apoiar” os atletas brasileiros.
Foi uma boa ideia despertar o interesse pelas Olimpíadas, mas na prática parecia que fãs de esportes furiosos vaiaram e assobiaram impiedosamente ou insultaram atletas olímpicos de outros países (às vezes sexistas, às vezes racistas).
As vaias não pararam nem na cerimônia de premiação no pódio, nem mesmo quando o alvo do abuso ganhou a medalha de prata e um brasileiro o ouro.
Também vi estádios vazios naquela época, quando era claro que os brasileiros não ganhariam nada.
Como meu colega Christian Spiller, até gostei das emoções cruas dessas “hooligans olímpicas” no início dos Jogos.
Lembre-se: isso não se aplica a todas as competições e de forma alguma a todos os visitantes brasileiros. Mas acontecia com tanta frequência que eu me perguntava: o que deu em meus cariocas felizes, tolerantes e prestativos?
A chave para uma explicação foi fornecida pelo próximo evento psicologicamente significativo: a história dos nadadores americanos.
Os medalhistas do norte inicialmente alegaram que haviam sido atacados e roubados no caminho de volta para casa à noite – mas então eles se revoltaram em um posto de gasolina, entraram em confronto com os guardas e embelezaram a história a seu favor.
Que tempestade popular cresceu! Que ódio os americanos encontraram!
Atipicamente, a polícia do Rio descobriu o que realmente aconteceu em tempo recorde; Em uma ação espetacular e muito aplaudida, dois dos nadadores foram apanhados no aeroporto.
Eles foram forçados a se desculpar e multados por seu falso testemunho. A imprensa convocada às pressas para as prisões os ridicularizou.
O assunto poderia ter permanecido uma farsa em tempos mais descontraídos – mas não diante desse público irritado, não no Brasil 2016.
Vários comentaristas até se referiram à antiga teoria sociológica do Complexo de vira-lata dos brasileiros, o complexo do cão sem raça definida.
Mas trata-se de complexos de inferioridade nacional do tipo particularmente arraigado, ancorados na história e na colorida mistura racial do povo brasileiro, desencadeados a qualquer momento em caso de grandes derrotas esportivas e outras humilhações da nação brasileira.
Isso pode ou não ser considerado um absurdo, mas pelo menos é verdade que o orgulho nacional de muitos brasileiros é extremamente sensível e vulnerável – especialmente quando eles são (supostamente ou realmente) criticados de fora. E agora, por semanas, todos questionavam se os jogos no Rio eram mesmo seguros.
Alguns comitês olímpicos alertaram sobre ataques terroristas, gangues de saqueadores nas ruas e uma explosão da epidemia de Zika.
Dezenas de milhares de reservas de viagens foram canceladas por medo de potenciais turistas olímpicos. Mas tudo correu bem! E era isso que os filhinhos ricos da América queriam estragar tudo para os brasileiros? Com uma história de mentiras? Linchar eles!
O que há de errado com os brasileiros?
Graças a Deus as coisas melhoraram um pouco nesse ínterim – os alemães corrigiram as coisas. A vitória apertada dos brasileiros e de seu maltratado símbolo Neymar (que muitos brasileiros por dias, aliás, se insultaram e se mataram como medida preventiva) sobre a seleção alemã de juniores?
Foi merecido e interpretado como de extrema importância psicológica para os brasileiros: ‘Eles só precisam agora’. Essa abordagem lembra um pouco a amizade precipitada com a família colérica na festa de aniversário da vovó, mas pessoalmente eu estava tão feliz quanto.
Eu estava em um grupo de bebedores de cerveja de sangue quente com camisetas amarelas, que perdiam palavras de força sobre os ‘chucrutes’ em todos os momentos críticos do jogo.
Bem: era futebol, você espera uma audiência de futebol livre, então eu também gosto de chauvinismo nacional. E ainda: a raiva antes do tiro decisivo era um pouco grande demais, a transição para o ódio um pouco clara demais, o complexo do pão de açúcar um pouco palpável demais.
Em outras palavras, o que há de errado com os brasileiros?
A melhor explicação não é particularmente original, mas faz sentido para mim: orgulho ofendido. Este grande país anfitrião quis apresentar-se ainda melhor do que já se mostrou.
Quando o ex-presidente Lula da Silva trouxe os jogos para seu país em 2009, ele quis fazer uma espécie de procissão triunfal com isso.
‘O Brasil sedia as melhores celebrações do mundo’, dissera Lula na época, fez uma breve pausa e olhou para o correspondente com um sorriso: ‘Mas você já sabe disso!’
Naquela época, o Brasil havia chegado ao círculo das superpotências, o crescimento econômico aumentava a velocidades quase chinesas, dois quintos da população foram catapultados da pobreza para uma modesta classe média baixa.
O futebol brasileiro ainda era considerado imbatível na época. O resto do mundo enviou pesquisadores e políticos ao Pão de Açúcar para aprender o segredo brasileiro.
O brasil é num baixou!
E no ano olímpico de todos os tempos, o Brasil está em profunda recessão. Há uma desaceleração econômica que também exigiu muitas economias em torno dos jogos.
Uma crise política porque o presidente eleito acaba de ser forçado a deixar o cargo por uma manobra constitucionalmente duvidosa de forças reacionárias – o atual chefe de governo nem se atreve a ir ao estádio para a cerimônia de encerramento.
Uma crise urbana no Rio de Janeiro, porque cerca de 25% da população que vive em assentamentos pobres está sendo subjugada por forças policiais cada vez mais rudes, enquanto os serviços sociais prometidos ainda estão distantes.
Até as temidas guerras de gangues nas ruas estão de volta: dificilmente um dia durante os Jogos Olímpicos sem que alguém na periferia da cidade seja baleado por criminosos ou policiais.
Muita gente no Rio tem medo do futuro: medo de perder o emprego, medo de reveses econômicos e políticos em um momento pior. É por isso que tantos brasileiros têm apoiado tão obstinadamente seus atletas e defendido sua cidade modelo do Rio de qualquer crítica.